ele

Às 6h da manhã seu corpo já estava mais aquecido, principalmente por seu cachorro, Pelé, que dormia quase que enrolado encostado em seu peito. Seu corpo trajava uma roupa surrada, suja das chuvas, poeiras e aquela lama escura formada pela poluição que São Paulo despeja diariamente no ar.

É aí que ele acorda ao ter seu corpo sacolejado por Dalton, que apressado caminha para o metrô República e não percebe o corpo dele que dormia no chão. Não basta ele ter que dormir em condições subumanas, ainda é atordoado por estar atrapalhando o caminho das pessoas que vêm e vão para o trabalho.

Sem opção e já acordado, ele levanta murmurando contra o vento, enquanto Pelé começa o seu dia animado, para ele resta imaginar quando irá satisfazer a fome que ronca em sua barriga. O cheiro do pão na chapa da padaria na esquina o atiça, mas ele sabe que não tem como pagar, e estando tanto tempo na rua, a vergonha em pedir já não lhe ocorria mais.

Já na frente da padaria pediu a Marina um trocado para se alimentar, mas ela com seu fone não o ouviu, em seguida Diogo o ignorou, mas foi Seu Roberto quem o fez ficar mais cabisbaixo ao ser retrucado com o “vai trabalhar vagabundo”. Tudo o que ele queria era trabalhar, mas com a pele encardida, o cabelo sujo e o cheiro dos dias e noites sem banho provavelmente não ajudaria na busca por um emprego. A comida veio com Tia Vanda, uma senhora que já havia visto ele por ali alguns dias antes.

Caminhando com tudo o que tem, ou seja, Pelé, a roupa do corpo e os pedaços de papelão e cobertor velho, ele passa o resto dia esperando que algo de bom lhe aconteça, mas de lixo em lixo, esperando encontrar latinhas para vender e ter um trocado, ele não consegue um almoço.

O resto dia ele encontra com outros colegas da rua, todos com o mesmo destino, vagando sem saber para onde realmente ir. E ali ele é apenas mais um com sonhos encardidos e escorraçados com “agora não dá”, “tá na rua por que quer”, “não tenho nada agora”, e ele gostaria de ser um pouco mais como a Da Peruca, sua colega negra, baixinha e magra, que para se destacar nas ruas está sempre com suas perucas chamativas, batom neon e grandes cílios postiços, mas com a roupa mais surrada do que a fome que sente.

No começo da noite ele pensa que poderia estar em um lugar melhor, ou apenas ir na cracolândia e se entregar como inúmeros outros amigos da rua, mas ele não é assim, ainda sente que pode ter algo melhor. Mesmo quando Pelé ganha mais atenção que ele das garotas que vão para o trabalho passando pelo centro, ou quando tentou limpar o parabrisa de Ronaldo e seu carrão, que quase passou por cima de seus pés ao berrar do vidro que "não precisa".

Fugir um pouco daquilo era ele entrar no Corote, ou no restinho das garrafas plásticas que quando não encontradas no lixo, eram dadas pelos jovens que se divertiam e entregavam o que restava só para ele sair logo de perto. Naquela noite foi assim pela Rua Vieira de Carvalho, quando tentou pedir que lhe pagassem um lanche e Emílio e seus amigos logo entregaram o restinho da cerveja em sua latinha, para ele sair logo e seguir seu caminho.

No fim da noite, cansado, ainda faminto, com a esperança cada vez mais vazia, ele estava procurando uma saída de ar quente do metrô para poder dormir e ter ao menos uma noite “boa” de sono.


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